É uma situação paradoxal, mas recorrente no direito bancário: o devedor, mesmo com os recursos em mãos para quitar parcelas de um empréstimo em atraso, se depara com a recusa da instituição financeira em receber o pagamento. Este cenário, aparentemente administrativo, configura uma grave ilegalidade que pode acarretar prejuízos desproporcionais ao consumidor ou à empresa devedora.
Analisemos o caso de uma empresa que, após dificuldades financeiras, renegocia suas prioridades e busca regularizar um contrato de empréstimo. Ao contatar o banco para obter os boletos das parcelas vencidas, é informada que não é possível emiti-los, pois o contrato foi remetido ao setor jurídico. Importante frisar que, neste estágio, muitas vezes não há ainda um processo de execução ajuizado, tratando-se de um procedimento puramente interno do credor.
A premissa do banco de que o devedor deve aguardar a execução judicial para então pagar a dívida é juridicamente insustentável. Tal conduta viola princípios fundamentais do direito obrigacional e contratual.
A Violação da Boa-Fé Objetiva e a Mora do Credor
A recusa em receber o pagamento configura a chamada mora do credor (mora accipiendi), prevista no artigo 394 do Código Civil, que estabelece estar em mora não apenas o devedor que não paga, mas também "o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma" devidos.
Essa atitude contraria frontalmente o princípio da boa-fé objetiva, cláusula geral que rege todos os contratos, conforme o artigo 422 do Código Civil. A boa-fé impõe deveres anexos às partes, como o de lealdade, cooperação e informação. Ao criar um obstáculo ao pagamento, o banco descumpre seu dever de cooperar para o adimplemento da obrigação, adotando um comportamento contraditório (venire contra factum proprium), pois, ao mesmo tempo que cobra a dívida, impede a sua quitação.
A doutrina, representada por juristas como Flávio Tartuce, é uníssona ao afirmar que o credor não pode agravar a situação do devedor injustificadamente. A recusa em receber força o devedor a permanecer em uma inadimplência indesejada, sujeitando-o a encargos moratórios maiores e ao risco iminente de uma execução judicial.
As Consequências da Execução e os Mecanismos de Defesa
Permitir que a situação evolua para uma execução judicial gera prejuízos enormes e evitáveis:
(i) Vencimento Antecipado da Dívida: A maioria dos contratos bancários prevê que o ajuizamento da execução implica no vencimento antecipado de todo o saldo devedor, e não apenas das parcelas atrasadas.
(ii) Custos Processuais e Honorários: O devedor (executado) será responsável pelo pagamento de todas as custas do processo e dos honorários advocatícios de sucumbência (fixados pelo juiz em favor dos advogados do credor), conforme estabelece o artigo 827 do Código de Processo Civil.
Diante da recusa do credor, o ordenamento jurídico oferece soluções eficazes ao devedor. A mais adequada é a Ação de Consignação em Pagamento, com fundamento no artigo 335, inciso I, do Código Civil, que autoriza o depósito judicial da quantia devida "se o credor, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar quitação na devida forma". O procedimento para esta ação está detalhado nos artigos 539 e seguintes do Código de Processo Civil. Com o depósito em juízo, a mora do devedor é cessada, e os juros e demais encargos sobre o valor depositado deixam de incidir.
Caso a execução já tenha sido iniciada, a comprovação de que houve a tentativa de pagamento e a recusa injustificada do banco pode ser utilizada como matéria de defesa nos Embargos à Execução. Essa demonstração da conduta contraditória do credor pode, a depender do caso, fundamentar um pedido de redução de multas, juros e até mesmo uma condenação da instituição por litigância de má-fé.
Conclusão
A lição fundamental é que a inércia é a pior estratégia para quem está em débito e corre o risco de uma execução. Um processo executivo pode implicar no bloqueio de contas bancárias (penhora online), na constrição de bens e em severos abalos à saúde financeira de pessoas físicas e jurídicas. A recusa do credor em receber não é um beco sem saída; é o gatilho para que o devedor adote uma postura ativa, buscando, com o auxílio de um profissional, a proteção de seus direitos e a preservação de seu patrimônio por meio das ferramentas legais disponíveis.
João Paulo Molina Sampaio